domingo, 18 de abril de 2010

Diálogo Entre Krishna & Arjuna


A Bhagavadgita relata o ensinamento do mestre Sri Krishna a seu discípulo Arjuna. É um texto muito conhecido de Vedanta por ser um diálogo único onde a equação de identidade entre o indivíduo e o Todo é apresentada, através das claras e sábias palavras de Sri Krishna. Arjuna é um discípulo especial e demonstra sua maturidade fazendo perguntas adequadas no momento certo. A Gita faz parte do grande épico Mahabharatam.


A Gita é apresentada em dezoito capítulos, num total de 700 versos. Seguindo a metodologia que caracteriza o ensino de Vedanta, observamos a repetição de alguns temas durante todo o livro. A elaboração de maneiras diferentes do tema principal e a metodologia de ensinamento têm por objetivo eliminar nosso condicionamento com relação a alguns conceitos sobre a vida, sobre nós mesmos, nossos valores e sobre a natureza do Criador e nossa relação com Ele.


* * *

O jovem príncipe Arjuna perdeu o seu trono e reino, usurpados por seus parentes. Desanimado, recusa-se a lutar pela reconquista.

Aparece então Krishna e faz ver a Arjuna que deve reconquistar o seu trono e reino, mesmo matando os usurpadores.

Alguns intérpretes, mesmo orientais, vêem nas palavras de Krishna um convite para uma guerra justa, em sentido físico, tomando as palavras dele ao pé da letra.

Outros, porém – entre eles Rabindranath Tagore, Mahatma Gandhi, e outros iniciados – interpretam as palavras de Krishna em sentido simbólico, como aliás toda a luta de Arjuna contra os usurpadores, entendendo que Arjuna é o Eu humano cujo reino foi usurpado pelo ego, e Krishna é o Eu plenamente realizado, que convida Arjuna a fazer a sua auto-realização, derrotando seus parentes – os sentidos, a mente e as emoções – que, no homem profano, usurpam injustamente o domínio do divino Eu.

E, como esta reconquista só é possível pelo auto-conhecimento da verdadeira natureza humana, os 18 capítulos da Bhagavad Gita se resumem numa extensa explicação do auto-conhecimento humano, indispensável para a sua auto-realização.

Neste sentido, simboliza o poema da Sublime Canção uma paráfrase, ou um paralelo, a outros poemas da humanidade, como seja o Gênesis da Bíblia, onde o sopro de Deus (Eu) derrotado pelo sibilo da serpente (ego) é convidado a reconquistar o seu reino divino, "esmagando a cabeça da serpente".

Sendo que 24 versículos deste capítulo não passam de uma longa enumeração das diversas tribos em luta, com seus nomes em sânscrito, omitimos esses versículos, que não interessam ao leitor ocidental, nem contêm ensinamento algum, e começamos o livro com o versículo 25, onde começa o diálogo simbólico entre Arjuna e Krishna.

Sanjaya

(o historiador)

Então viu Arjuna, nos dois exércitos, homens ligados a ele pelos vínculos do sangue: pais, avós, mestres, primos, filhos, netos, sogros, colegas e outros amigos – todos armados em guerra contra ele.

Com o coração dilacerado de dor e profundamente condoído, assim falou Arjuna:

Ó Krishna! Ao reconhecer como meus parentes todos esses homens, que devo matar, sinto os meus membros paralisados, a língua ressequida no paladar, o coração a tremer e os cabelos eriçados na cabeça... Falha a força do meu braço... Cai-me por terra o arco que tendera...


Mal me tenho em pé... Ardem-me em febre os meus membros... Confusos estão os meus pensamentos... A própria vida parece fugir de mim...


Nada enxergo diante de mim senão dores e ais... Que bem resultaria daí, ó Keshava, se eu trucidasse meus parentes?


Não, Krishna, não quero vencer. Não quero, deste modo conquistar soberania e glória, riqueza e prazer.


Ó Govinda, como poderia semelhante vitória dar-me satisfação? Como me compensariam esses espólios da perda que sofreria? e que gozo teria ainda minha vida, se a possuísse pelo preço do sangue dos únicos que me são caros e sem os quais a vida me seria sem valor?


Avós, pais e filhos, aqui os vejo. Mestres, amigos, cunhados, parentes – não, não os quero matar, ó Senhor dos mundos! Nem que eles anseiam por derramar o meu sangue.


Não os matarei, Madhusudana, ainda que com isto lograsse domínios sobre os três mundos – menos ainda me seduz a posse da terra.


Dores somente me caberiam por semelhante mortandade.


Mesmo que os filhos dos Dhritarashtras sejam pecadores, sobre nossa cabeça recairia a culpa, se os matássemos. Não, não é licito matá-los. E como poderíamos ser felizes, sem os nossos parentes, ó Madhava?


E se eles, obsedados de cobiça e cólera, não vêem pecado na rebeldia e no sangue derramado.


Como poderíamos nós que vemos pecado em matarmos nossos parentes?


Quando uma tribo se corrompe, perece a piedade, e com ela perece o povo – a impiedade é contagiosa!

Corrompe-se a mulher, mesclando o puro com o impuro, e abre-se o inferno ao destruidor.


Até as divindades, privadas dos sacrifícios, tombam dos céus.

E essa mescla de puros com impuros produz a ruína das famílias.


E o destino dos destruídos é o inferno, consoante as escrituras.


Ai, que desgraça seria se trucidássemos nossos parentes, levados pela ambição do poder!


Bem melhor seria se nos rendêssemos aos inimigos armados e nos deixássemos matar na luta, sem armas nem defesa.


Assim dizendo, em pleno campo de batalha, deixou-se Arjuna tombar no assento da quadriga, e das mãos lhe caíram arco e flechas, porque trazia o coração repleto de amargura.


(in Bhagavad Gita – primeiro capítulo – tradução Huberto Rohden – ALVORADA – São Paulo).


domingo, 11 de abril de 2010

A Criação do Universo

A Criação de Adão, de Michelangelo, Afresco - Capela Sistina
[280 x 570 cm]


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"Pseudo-Epígrafo de Gênesis"

Livro de Melquisedeque

Antes que existisse uma estrela a brilhar, antes que houvesse anjos a cantar, já havia um céu, o lar do Eterno, o único Deus.

Perfeito em sabedoria, amor e glória, viveu o Eterno uma eternidade, antes de concretizar o Seu lindo sonho, na criação do Universo.

Os incontáveis seres que compõem a criação foram, todos, idealizados com muito carinho. Desde o íntimo átomo às gigantescas galáxias, tudo mereceu Sua suprema atenção.

Movendo-Se com majestade, iniciou Sua obra de criação. Suas mãos moldaram primeiramente um mundo de luz, e sobre ele uma montanha fulgurante sobre a qual estaria para sempre firmado o trono do Universo. Ao monte sagrado Deus denominou: Sião.

Da base do trono, o Eterno fez jorrar um rio cristalino, para representar a vida que d'Ele fluiria para todas as criaturas.

Como sala do trono, criou um lindo paraíso que se estendia por centenas de quilômetros ao redor do monte Sião. Ao paraíso denominou: Éden.

Ao sul do paraíso, em ambas as margens do rio da vida, foram edificadas numerosas mansões adornadas de pedras preciosas, que se destinavam aos anjos, os ministros do reino da luz.

Circundando o Éden e as mansões angelicais, construiu Deus uma muralha de jaspe luzente, ao longo da qual podiam ser vistos grandes portais de pérolas. Com alegria, o Eterno contemplou a Capital sonhada. Carinhosamente, o grande Arquiteto a denominou: Jerusalém, a Cidade da Paz.

Deus estava para trazer à existência a primeira criatura racional. Seria um anjo glorioso, de todos o mais honrado. Adornado pelo brilho das pedras preciosas, esse anjo viveria sobre o monte Sião, como representante do Rei dos reis diante do Universo.

Com muito amor, o Criador passou a modelar o primogênito dos anjos. Toda sabedoria aplicou ao formá-lo, fazendo-o perfeito. Com ternura concedeu-lhe a vida; o formoso anjo, como que despertando de um profundo sono, abriu os olhos e contemplou a face de seu Autor.

Com alegria, o Eterno mostrou-lhe as belezas do paraíso, falando-lhe de Seus planos, que começavam a se concretizar. Ao ser conduzido ao lugar de sua morada, junto ao trono, o príncipe dos anjos ficou agradecido e, com voz melodiosa, entoou seu primeiro cântico de louvor.

Das alturas de Sião, descortinava-se, aos olhos do formoso anjo, Jerusalém em sua vastidão e esplendor. O rio da vida, ao deslizar sereno em meio à Cidade, assemelhava-se a uma larga avenida, espelhando as belezas do jardim do Éden e das mansões angelicais.


Envolvendo o primogênito dos anjos com Seu manto de luz, o Eterno passou a falar-lhe dos princípios que haveriam de reger o reino universal. Leis físicas e morais deveriam ser respeitadas em toda a extensão do governo divino.

As leis morais resumiam-se em dois princípios básicos: amar a Deus sobre todas as coisas e viver na fraternidade com todas as criaturas. Cada criatura racional deveria ser um canal por meio do qual o Eterno pudesse jorrar aos outros vida e luz. Dessa forma, o Universo cresceria em harmonia, felicidade e paz.

Depois de revelar ao formoso anjo as leis de Seu governo, o Eterno confiou-lhe uma missão de grande responsabilidade: seria o protetor daquelas leis, devendo honra-las e revela-las ao Universo prestes a ser criado. Com o coração transbordante de amor a Deus e aos semelhantes, caber-lhe-ia ser um modelo de perfeição: seria Lúcifer, o portador da luz.

O príncipe dos anjos; agradecido por tudo, prostrou-se ante o amoroso Rei, prometendo-Lhe eterna fidelidade.

O Eterno continuou Sua obra de criação, trazendo à existência inumeráveis hostes de anjos, os ministros do reino da luz. A Cidade Santa ficou povoada por essas criaturas radiantes que, felizes e gratas, uniam as vozes em belíssimos cânticos de louvor ao Criador.

Deus traria agora à existência o Universo que, repleto de vida, giraria em torno de Seu trono firmado em Sião. Acompanhado por Seus ministros, partiu para a grandiosa realização.

Depois de contemplar o vazio imenso, o Eterno ergueu as poderosas mãos, ordenando a materialização das multiformes maravilhas que haveriam de compor o Cosmo. Sua ordem, qual trovão, ecoou por todas as partes, fazendo surgir, como que por encanto, galáxias sem conta, repletas de mundos e sóis - paraísos de vida e alegria -, tudo girando harmoniosamente em torno do monte Sião.

Ao presenciarem tão grande feito do supremo Rei, as hostes angelicais prostraram-se, fazendo ecoar pelo espaço iluminado um cântico de triunfo, em saudação à vida. Todo o Universo uniu-se nesse cântico de gratidão, em promessa de eterna fidelidade ao Criador.


Guiados pelo Eterno, os anjos passaram a conhecer as riquezas do Universo. Nessa excursão sideral, ficaram admirados ante a vastidão do reino da luz. Por todas as partes encontravam mundos habitados por criaturas felizes que os recebiam em festa. Os anjos saudavam-nos com cânticos que falavam das boas novas daquele reino de paz.

Tão preciosa como a vida, a liberdade de escolha, através da qual as criaturas poderiam demonstrar seu amor ao Criador, exigia um teste de fidelidade. Com o propósito de revelá-lo, o Eterno conduziu as hostes por entre o espaço iluminado, até se aproximarem de um abismo de trevas que contrastava com o imenso brilho das galáxias. Ao longe, esse abismo revelara-se insignificante aos olhos dos anjos, como um pontinho sem luz; mas à medida de sua aproximação, mostrou-se em sua enormidade. O Criador, que a cada passo revelava aos anjos os mistérios de Seu reino, ficou ali silencioso, como que guardando para Si um segredo. As trevas daquele abismo consistiam no teste da fidelidade. Voltando-Se para as hostes, o Eterno solenemente afirmou:

- "Todos os tesouros da luz estarão abertos ao vosso conhecimento, menos os segredos ocultos pelas trevas. Sois livres para me servirem ou não. Amando a luz estareis ligados à Fonte da Vida".

Com estas palavras, fez Deus separação entre a luz e as trevas, o bem e o mal. O Universo era livre para escolher seu destino.